quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Espionando usuários

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Segredos dos usuários são a nova mina de ouro da web
Julia Angwin, The Wall Street Journal 04/08/2010

Escondido dentro do computador de Ashley Hayes-Beaty, um minúsculo arquivo ajuda a acumular detalhes pessoais sobre ela, e tudo isso será colocado à venda por um vigésimo de centavo.
O arquivo consiste em um único código - 4c812db292272995e5416a323e79bd37 - que secretamente a identifica como uma mulher de 26 anos, da cidade americana de Nashville, Tennessee.
O código sabe que alguns de seus filmes favoritos são "A Princesa Prometida", "Como Se Fosse a Primeira Vez" e "10 Coisas que Eu Odeio em Você". Sabe também que ela gosta da série "Sex and the City". E ainda que navega por notícias de entretenimento e gosta de testes de conhecimento geral.
"Bem, eu gostaria de pensar que ainda existe algum mistério em mim, mas aparentemente não!", disse Hayes-Beaty quando lhe contaram o que o pedacinho de código revela sobre ela. "O perfil é assustadoramente correto."
Hayes-Beaty está sendo monitorada pela Lotame Solutions Inc., empresa de Nova York que usa um software sofisticado chamado de "beacon" para capturar o que as pessoas estão digitando em um site de internet -seus comentários sobre filmes, digamos, ou seu interesse por gravidez e informações para pais. A Lotame empacota esses dados em perfis, sem identificar o nome da pessoa, para empresas que estão em busca de clientes. Os gostos de Hayes-Beaty podem ser vendidos no atacado (um pacote de apreciadores de filmes custa US$ 1 por milhar) ou customizado (jovens de 26 anos que moram no sul dos Estados Unidos e gostam de "Como Se Fosse a Primeira Vez").
"Você pode segmentar tudo até chegar a uma só pessoa", diz Eric Porres, diretor de marketing da Lotame.
Uma investigação do Wall Street Journal descobriu que um dos negócios que mais crescem na internet é o de espiar os usuários.
O WSJ realizou um estudo abrangente que avalia e analisa o vasto conjunto de cookies e outras tecnologias de vigilância que as empresas estão usando para seguir os passos dos internautas. O estudo revela que o acompanhamento dos consumidores se tornou ainda mais dominante e mais intrusivo do que todos, com exceção de algumas poucas pessoas na vanguarda da indústria, imaginam.
? O estudo descobriu que os 50 principais sites dos EUA instalaram uma média de 64 peças de tecnologia de rastreamento nos computadores dos visitantes, sem nenhum alerta. Uma dúzia de sites instalaram mais de 100. A Wikipédia, que não tem fins lucrativos, não colocou nenhum.
? A tecnologia de rastreamento está se tornando mais inteligente e mais intrusiva. O monitoramente costumava ser limitado principalmente aos "cookies" que registram as visitas das pessoas aos websites. Mas o WSJ encontrou novas ferramentas para escanear em tempo real o que as pessoas estão fazendo numa página de internet e, aí, determinar a localização, renda, interesses de compra e até mesmo estado de saúde. Algumas ferramentas secretamente se refazem, mesmo depois de o usuário ter tentado apagá-las.
? Os perfis de pessoas, constantemente atualizados, são comprados e vendidos em mercados que surgiram nos últimos 18 meses e se assemelham a bolsas de valores.
As novas tecnologias estão transformando a economia da internet. No passado, os anunciantes basicamente compravam espaço publicitário em páginas específicas da internet - um anúncio de carro num site de carros. Agora, os anunciantes estão pagando um ágio para seguir as pessoas na internet, onde elas forem, com mensagens de marketing muito específicas.
Entre o usuário da internet e o anunciante, o WSJ identificou mais de cem intermediários - empresas que coletam os dados, corretores de dados e redes de anunciantes - que competem para suprir a crescente demanda por dados sobre comportamento e interesses individuais.
Os dados sobre os hábitos cinematográficos de Hayes-Beaty, por exemplo, estão sendo oferecidos a anunciantes na BlueKai Inc., uma das novas bolsas de dados.
"A maré está mudando em relação à forma como o setor funciona", diz Omar Tawakol, diretor-presidente da BlueKai. "Os anunciantes querem comprar acesso às pessoas, não páginas na internet."
O WSJ examinou os 50 sites mais populares dos EUA, que correspondem a 40% das páginas de internet que são vistas pelos americanos. (O Journal também testou seu próprio site, o WSJ.com.) Aí, analisou os arquivos de acompanhamento e programas que esses sites baixaram em um computador de teste.
Juntos, esses 50 sites colocaram 3.180 arquivos para coletar dados nos computadores de teste do WSJ. Quase um terço deles eram inócuos, usados para lembrar a senha de um site favorito ou identificar os artigos mais populares.
Mas mais de dois terços - 2.224 - foram instalados por 131 empresas, muitas das quais estão no negócio de seguir os usuários da internet e criar um rico banco de dados com perfis de consumidores que podem ser vendidos.
O principal local para tal tecnologia, descobriu o WSJ, é o Dictionary.com, da IAC/InterActive Corp. Uma visita ao dicionário on-line resultou no download de 234 arquivos ou programas no computador de teste de WSJ, sendo que 223 deles vieram de empresas que monitoram os usuários da internet.
A informação que as empresas coletam é anônima, no sentido de que os usuários de internet são identificados por um número designado ao seu computador, não pelo nome específico da pessoa. A Lotame, por exemplo, afirma que não sabe o nome de usuários como Hayes-Beaty - somente seus comportamentos e atributos, identificados por um código numérico. As pessoas que não querem ter seus passos seguidos podem ser removidas do sistema Lotame.
E o setor alega que os dados são usados sem prejudicar ninguém. David Moore, presidente do conselho da 24/7 RealMedia Inc., uma rede de anúncios da WPP PLC, informa que o rastreamento dá aos usuários da internet uma propaganda melhor.
"Quando um anúncio é propriamente focado, ele deixa de ser um anúncio, ele se torna uma informação importante", diz.
O monitoramento não é coisa nova. Mas a tecnologia está se tornando tão poderosa e onipresente que mesmo alguns dos maiores sites dos EUA afirmaram que não tinham conhecimento, até que foram informados pelo WSJ, de que estavam instalando arquivos intrusivos nos computadores dos visitantes.
O WSJ descobriu que o popular portal de internet da Microsoft, o MSN.com, plantou um arquivo recheado de dados: ele tinha a previsão da idade do internauta, código postal e sexo, além de um código com a estimativa de renda, estado civil, presença de crianças na casa e propriedade de imóveis, de acordo com a empresa de coleta de dados que criou o arquivo, a Targus Information Corp.
Tanto a Targus quando a Microsoft afirmaram que não sabiam como o arquivo tinha ido parar no MSN.com, e acrescentaram que a ferramenta não continha informações "pessoais identificáveis".
O rastreamento é feito por minúsculos arquivos e programas chamados de "cookies", "Flash cookies"e "beacons". Eles são colocados em um computador quando o usário visita o site. Os tribunais dos EUA decidiram que é legal usar o tipo mais simples, o cookie, assim como é legal uma pessoa que usa um telefone permitir que um amigo escute uma conversa. Os tribunais ainda não decidiram sobre os programas mais complexos.
O monitoramento mais intrusivo vem do que o setor chama de arquivo de acompanhamento de "terceiros". Eles funcionam assim: na primeira vez em que um site é visitado, ele instala um arquivo de acompanhamento, que atribui ao computador um número de identificação único. Mais tarde, quando o usuário visita um site ligado à mesma empresa de acompanhamento, ele pode tomar nota de onde o usuário esteve antes e onde está agora. Desta forma, a empresa pode construir um perfil robusto.
Informações sobre os pensamentos das pessoas e suas ações a cada momento, reveladas por sua atividade on-line, podem mudar de mãos rapidamente. Alguns segundos depois de uma visita ao eBay.com ou ao Expedia.com, é provável que informações detalhadas sobre a atividade do internauta sejam leiloadas na bolsa de dados gerida pela BlueKai.
Porta-vozes da eBay Inc. e da Expedia Inc. informam que os perfis são vendidos anonimamente e que as pessoas não são identificadas como visitantes dos seus sites. A BlueKai informa que seu próprio site dá aos consumidores uma maneira fácil de ver o que ele monitora sobre eles.
Os arquivos de rastreamento chegam aos websites, e são baixados para um computador, de várias maneiras. Muitas vezes, as empresas simplesmente pagam aos sites para distribuir seus arquivos de monitoramento.
Mas as empresas de rastreamento às vezes escondem seus arquivos dentro de software gratuito oferecido aos websites, ou os escondem dentro de outros arquivos de acompanhamento ou anúncios. Quando isso acontece, os sites não estão sempre cientes de que estão instalando os arquivos nos computadores dos visitantes.
O acompanhamento do consumidor é a base de uma economia de publicidade on-line que movimentou US$ 23 bilhões nos EUA no ano passado. A atividade de monitoramento está com crescimento explosivo. Pesquisadores dos AT&T Labs e do Instituto Politécnico Worcester encontraram no fim do ano passado tecnologia de rastreamento em 80% dos 1.000 sites mais populares, em comparação com 40% desses sites em 2005.

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