sábado, 2 de janeiro de 2010

Inaugurando 2010

Volto ao bloguinho depois dos festejos da passagem de ano. Contrariando todas as sombrias previsões, o réveillon no Rio foi de almanaque, com direito a lua azul e estrelas no céu. O foguetório, visto por trás das balsas, fica ainda mais impressionante, muito pelo luxuoso auxílio da estonteante vista da orla de Copacabana. A chuva, para infortúnio dos habitantes de Angra, nos deixou e foi dar as caras dia 31 por lá. Toda nossa solidariedade às vítimas desta tragédia. Mas LavAVal é um blog alto astral, deixemos o tom pesaroso e lacrimogêneo para os telejornais.

Após o réveillon, me internei numa espécie de spa onde passei as últimas 30 horas em intensa atividade física e alimentando-me exiguamente. Lá, pude observar algumas coisas muito interessantes e pitorescas que podem resultar da união entre a arquitetura criativa e a engenharia de resultados.

É senso comum que, na comparação entre apartamentos contruídos nos últimos dez anos, e aqueles situados em prédios de trinta, quarenta anos, o nível de privacidade caiu muito. A otimização de recursos, as novas tecnologias e técnicas de construção e aproveitamento de espaços definiram um novo conceito sobre vizinhança. No local onde moro, por exemplo, as paredes parecem ser feitas de concreto armado revestidos com chumbo. Nenhuma onda sonora é capaz de atravessá-la. Se não houvesse janelas, o silêncio em meu quarto poderia ser comparado ao de um mosteiro no Tibet.

Já nestas novas construções esta coisa chamada parede parece ter sido totalmente repensada. Em algum dado momento, talvez inspirados no mundo fashion, arquitetos e engenheiros resolveram que magro é o novo sólido, e as paredes tornaram-se muito semelhantes à suas bulímicas primas vulgarmente conhecidas como divisórias. Adicione a isto um projeto revolucionário onde um quarto de um apartamento divide "parede" com a cozinha de outro, e o resultado é tão surrealista que parece ter saído de um filme de Buñuel ou David Linch.

Fui informado que aquela tênue coisa branca que divide os dois vizinhos foi construída da seguinte maneira, da ordem do quarto de cá para a cozinha de lá: tinta, massa, cimento e tijolo, espaço oco, tijolo e cimento, massa, e tinta. Este singelo detalhe do espaço oco entre "paredes" não apenas permite que o som as atravesse com mais facilidade. Ele na verdade as transforma numa fantástica caixa de ressonância e propagação. Se tivessem sido projetadas pela Bose ou JBL não seriam mais potentes. Isso transforma o simples ato de tentar dormir ali numa coisa única, inesquecível, e com incrível riqueza de detalhes sonoros.

Você acha que um copo colocado numa bancada, um microondas sendo programado e acionado, ou uma torneira sendo aberta constituam-se em barulhos extremamente incômodos? Não, quando se está do lado de lá da caixa de ressonância. Do lado de cá, praticamente pude ver a cor dos pratos que estavam sendo lavados, e para quanto tempo foi ajustado o timer do forno de microondas. Me senti como o herói cego Demolidor, cuja superaudição permitia a ele "ver" as pessoas quando tocadas pelas gotas de chuva. Num dado momento, lá pelas quatro da manhã, alguém deixou cair, fortuitamente, um talher na pia. Deve ter sido uma colher de café, ou algo do gênero: mas a impressão que tive foi que haviam marretado um gongo bem no pé do meu ouvido.

Esta fantástica experiência audiofônica só ajudou meu início de ano a tornar-se ainda mais especial. Estou muito bem humorado. E de férias, acreditem se quiser. O mundo se descortina à minha frente. São tantos livros a ler, filmes a assistir. Difícil decidir por onde começar. Tão difícil, que decidi não decidir nada agora. Vou dormir, no silêncio do meu mosteiro tibetano. Feliz 2010 a todos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário