quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Carnaval, uma bad trip

Sexta-feira, dia 20 - O falso embarque
Dia de sair em viagem é sempre agitado. Arruma mala, tira dinheiro, atualiza IPod, compra charuto, capricha no make-up, compra cueca nova, escolhe livro pra levar, reforça o estoque de camisinha e aspirina. A sexta foi um típico dia de sair em viagem. Exceto que não saímos em viagem. Um problema técnico-burrocrático não permitiu que pegássemos nosso transporte. Fazer o quê? Anime-se, é carnaval! Tudo se resolverá amanhã! Decidimos então, eu e meu caro amigo de aventuras (ou seria melhor dizer de infortúnios?) Sr.M, abrir os trabalhos no Rio mesmo e começar a encher a lata. Mal sabíamos que aquela seria nossa melhor noite de carnaval.

Sábado, dia 21 - Uma loooonga viagem
O problema técnico-burrocrático que nos impediu de pegarmos a estrada na noite anterior demorou um pouco mais do que prevíamos para ser resolvido. Só conseguimos sair do Leme por volta de onze da manhã. Quando o relógio marcava meio-dia e dez minutos, toca o telefone celular de Sr.M. Outro problema, este mais burrocrático que técnico, nos acometeu. Tivemos que RETORNAR ao Rio, mais precisamente ao Aterro do Flamengo, o que atrasou nossa viagem em pelo menos uma hora e meia. Nosso veículo, um poderoso Celta 1.0 duas portas sem ar, não ajudava em nada para fazer deste pequeno contratempo uma experiência menos desagradável. Além disso, o passeio extra com meu braço direito ultra branco inadivertidamente exposto aos potentes raios solares do verão carioca me causou uma queimadura de 2o. grau que está ardendo até agora e apresentando uma série de bolhas.

Resolvido mais este percalço, voltamos à estrada. Nosso desafio agora era tentar chegar a algum lugar civilizado até às quatro horas da tarde, quando começaria a facílima e previsível semifinal da Taça GB Mengão Fuderosão x o diminuto e ridículo Resende. Após um certo stress, pois o lugar civilizado simplesmente não surgia, conseguimos finalmente encontrar um bar com SKY, às 16:15 minutos. O estabelecimento ostentava o sugestivo nome de "Chora Morena". Muito adequado, como se veria na próxima hora e meia. Deu-se a tragédia, e Davi, surpreendendo o mundo, derrubou Golias em pleno primeiro dia de folia. Confesso que o fato me causou um certo desconforto. O clima momesco não permitiu que atingisse o nível de um mau humor crônico, muito menos o da agressividade gratuita e descontrolada, o que seria de se esperar de mim depois desta verdadeira desgraça. Retomamos nossa agradável viagem por mais uns quarenta minutos até nosso destino final, uma pacata (eu achava, naquela altura) cidade no interior de Minas que chamaremos aqui simplesmente SJN.

Oito horas depois de sair do Leme, chegamos nós, enfim, em SJN. A temperatura, confesso, surpreendeu-me um pouco. Eram sete da noite afinal, esperava-se um clima ameno típico das regiões serranas de Minas. Ledo engano. Isso serve para Caxambu, Cambuquira e imediações. Em SJN, faz um calor senegalesco. Tenho certeza que esta informação não me foi passada na hora de decidir pela viagem.

Chegando ao hotel, verificamos que era muito próximo da principal cena foliã da cidade. Excessivamente próximo, como aprenderíamos a duras penas nos dias que seguiriam. Arlindo, o dono do hotel, deve ser um ambientalista extremamente preocupado com o efeito estufa. Seu hotel é de tal forma socialmente responsável que ele não queima nenhum tipo de gás tóxico com refrigeração. Os quartos não dispõe de ar condicionado ou frigobar. Um discreto ventilador de teto tenta pateticamente manter a temperatura do quarto abaixo do ponto de ebulição. Neste momento, comecei a me preocupar.

Após um banho que eu desejava fôsse frio, mas que se realizou em temperatura ambiente, decidimos ir para a cidade confraternizar com os locais, em especial com as locais. Logo descobrimos o bar do maior clube da cidade, o Botafogo FC. Em qualquer outra situação jamais entraria em um estabelecimento com um nome infeliz destes. Mas meu desespero por alguma coisa gelada inibiram minhas convicções clubísticas. E, para minha surpresa, tinha Original e supergelada. Esperanças renovadas sobre o Carnaval.

Este primeiro dia não foi muito proveitoso em termos sociais. Estávamos extenuados da viagem e das emoções do dia. Umas doze cervejas depois, retornamos ao forno, digo, hotel, para uma bela e revigorante noite de sono.

Domingo, dia 22 - Caindo na real
A noite de sono não foi bela, não foi revigorante, e muito menos de sono. Como posso ilustrá-la? Foi como fazer uma sauna desmaiado. Mas pelo menos consegui sair durante algumas horas do estado de consciência. Meu amigo M nem isso. Teve que suportar a noite praticamente em claro, sendo assado em fogo brando.

Nos encontramos na porta do hotel e fomos procurar local para comer. As opções eram restritas. Paramos no Botafogo, coisa que fizemos com alguma constância nos últimos quatro dias. Cerveja gelada, comida honesta, preços justos, era muito mais do poderíamos exigir naquele buraco, digo, cidade.

Vocês lembram daquele surpreendente calorzinho da noite citado há pouco? Virou o caldeirão do inferno. Faz o Rio parecer Viena no outono. E a cidade começou a encher. Muito. Pessoas ocupavam todos os possíveis espaços de refúgio ao sol existentes, exceto o Botafogo. Caro demais aos padrões turísticos locais, acho eu. E logo o carnaval começou. Não há samba em SJN. Só funk e axé. É como se o Complexo do Alemão tivesse se instalado em plena Praça Castro Alves, em Salvador. Tomamos mais uma dezena de Originais e fomos tentar descansar para a noite que se antevia longa. Não conseguimos. O hotel mostrou-se uma verdadeira caixa de ressonância dos trios elétricos, bares e automóveis esporrentos que urravam em altos brados toda aquela total ausência de qualidade musical. Mas pelo menos no quarto tinha sombra e chuveiro, o que me permitiu chegar ao fim do dia sem ter que apelar para soro caseiro ou talhos nos pulsos.

A segunda noite parecia mais promissora. A cidade estava animada, o calor cedeu (um pouco). Encontramos um segundo point, o Magrão's. Uma tequila por três, duas por cinco. Se eu tivesse ido para o México, não teria tomado tanta tequila. Foi o que me manteve vivo e são naquelas três noites em SJN. Bem, lendo isso, vocês vão achar que a gente viajou só pra beber. Claro que não foi só para isso. Pretendíamos comer também. Comida mineira, e mineiras, e não necessariamente nesta ordem. E aí é que morou o problema.

Um estranho fenômeno ocorre em SJN. Existe um pitoresco gap entre as mulheres da cidade. Ou você é uma jovem colegial, bonita, agitada, disponível, sexualmente ativa, e menor de idade, ou é uma cinquentona casada, caída, ainda muito animada, mas de um jeito que lembra perigosamente a Naná do Big Brother. Mulheres com idade entre 21 e 45 anos praticamente inexistem neste lugar. Nossa teoria é que elas só aguardam acabar o colegial para desaparecer dali, e só voltar depois de aposentada, para morrer próxima aos seus.

Isto dificultou muito nosso entrosamento com a população feminina local. Fato este agravado e muito pela concorrência desleal. Hordas de sarados playboys eram despejados a cada meia-hora por inúmeros ônibus super-lotados oriundos do Rio e outras localidades próximas. Muito mais adequados à reprodução em larga escala do que dois quarentões, sendo um gordo e o outro um baixinho careca. Nossa vida ali tornava-se a cada hora mais difícil. Haja tequila.

Bebi até a beira do coma, estado que pretendia atingir imediatamente ao chegar no quarto do hotel, única maneira de conseguir dormir com todo aquele calor e barulho.

Segunda-feira, dia 23 - Última noite, finalmente
Segunda de carnaval. Imaginem o domingo, com cinco graus centígrados a mais. Nunca antes nesse país se viu tanto calor. E não havia cerveja gelada em nenhum local da cidade - nem no Botafogo. Todas tinhas sido consumidas na noite/madrugada/manhã anterior. Foi o dia mais longo de minha vida. Meu amigo M, completando a segunda noite sem dormir, resolveu se aventurar em alguma cachoeira. Só me restou recolher-me ao quarto e torcer para o pesadelo acabar.

Mas emoções ainda estariam guardadas para este dia. Era o dia do Bloco do Barril, maior evento carnavalesco de SJN. Eram aguardadas mais de vinte mil pessoas para o desfile. Eu mal me continha de tanta excitação. A promessa era que o bloco saísse às seis horas. Fui para a praça, animadíssimo.

(Desculpem, interrompo aqui este dramático relato porque acabo de saber pelo Jornal Hoje de uma notícia bombástica: o ônibus que transportava o grupo de pagode Exaltasamba tombou em algum lugar em Santa Catarina. Parece o que vocalista Péricles está internado. Alguma boa notícia eu tinha que ter neste carnaval. Findo o boletim, retorno à história.)

Quando botei a cara para fora do hotel, sem que desse tempo para Noé fazer nem um barquinho de papel fôsse, caiu um temporal de proporções diluvianas. Uma leeeeve chuva de verão que durou mais de uma hora. Não refrescou em nada a temperatura - a água já descia quente. Não alagou nada - aparentemente, a drenagem da cidade é melhor que a do estádio de Wembley. E muito menos cancelou o Bloco do Barril. Isso é que eu chamo de chuvarada inútil.

Toda a água, e não foi pouca, não foi capaz de diminuir em nada a energia do povo em torno do bloco. Centenas de foliões fantasiados como se fossêm fazer figuração em algum filme do David Linch dirigiam-se ensandecidos ao ponto de concentração do bloco. Fui até lá checar. Arrependi-me imediatamente e voltei rapidinho para minha zona de conforto, o Magrão's. Em tempo: o Botafogo FC, único distribuidor de Originais da cidade, encontrava-se fechado por motivos de segurança, segundo fui informado. Não era para menos: a turba do bloco, uma parede humana descontrolada, parecia realmente ameaçadora. E o nível de alcoolismo geral era estratosférico. Aquilo realmente não tinha como acabar bem.

O bloco finalmente saiu, com umas três horas de atraso. A trilha sonora, pelo menos, não era detestável. Samba-enredo, em sua maioria. Ajudou-me a suportar toda a passagem. Isso, e os oito shots de tequila que já havia bebido até aquele momento. O bloco era tão unido, junto e misturado, que não se sabia onde terminava uma pessoa e começava a outra.

De bom mesmo, só a descoberta da barraca da Adripoca, que vende um petisco absolutamente matador que consiste basicamente em torrões de parmesão fritinhos vendidos em saquinhos de pipoca. Um ótimo companheiro para jornadas etílicas. Avisei à Adriana, dona da barraca, que vou roubar a idéia dela e divulgá-la no Rio, sob o nome de Cheesepoca. Ficarei milionário, vou comprar SJN, e mandar instalar condicionadores de ar em todos os bares, restaurantes e hotéis de lá. Tornar-me-ei uma lenda na cidade.

Depois da décima-segunda tequila, decidi que já tinha dado pra mim. Precisava acordar cedo para retornar ao Rio na manhã seguinte. E nada me deixava mais feliz que a possibilidade de não passar outra noite naquele lugar.

Terça-feira, dia 24 - Enfim, Rio de Janeiro, local de onde jamais deveria ter saído
Tudo correu bem na viagem de volta, à exceção de uma quase derrapada na estrada, de uma tempestade que impediu nossa visibilidade em metade da serra e em Duque de Caxias, e do táxi que quebrou no caminho do aeroporto, aonde fomos entregar o carro, para casa. Nada que se compare ao turbilhão de emoções que vivi nestes dias de folia.

Lição final: Se você tem de 17 a 20 anos, não é um quasímodo, gosta de micaretas e afins, e não se importa com calor intenso, seu lugar é em SJN; a vida sorrirá para você. Com mais de quarenta, nem pensar.

5 comentários:

  1. Meu querido Xará ... Vc e Mister M, são dois "erois" ... Sem "H" mesmo ... Passar por tudo pra quase chegar, depois chegar, depois assarem, secarem ... Olha, viva meu carnaval aqui em minha choupana e meu pequeno lava pés caseiro e minha latinhas gélidas e sempre abastecidas ... Aguardo-os, vc e mister "D" no domingão ... !!

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  2. E ainda teve a tragédia de sábado ... PTZ ! Realmente o retorno devia ter sido geral ... Caraca ! Abç !!

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  3. SIMPLESMENTE HILÁRIO ...
    NÃO DEIXO DE LER O SEU BLOG.
    CÍNICO, POLITICAMENTE INCORRETO, OU SEJA, BOM!!

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  4. CILADA! Por que pessoas inteligentes ainda pagam por uma cilada? Você foi para o meio da Zona da Mata mineira, com clima e solo semelhante ao de Itaperuna, o lugar mais quente do planeta.
    De modo egoísta tenho que dizer que seu sofrimento me valeu quatro gargalhadas espetaculares. Estou esperando até agora passar o efeito da última.

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  5. Ahhh... volta a escrever!!!! sensacional!

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